[Resumo da Dissertação de Leorides Severo Duarte Guerra]. São Paulo: Faculdade de
Medicina, Universidade de São Paulo, 2014.
Antecedentes: Segundo as projeções da Organização Mundial de
Saúde para o século XXI, as doenças não comunicáveis (DNT) serão responsáveis
pelas maiores cargas das doenças no globo. As doenças cardiovasculares e os
transtornos neuropsiquiátricos destacam-se como os dois principais grupos de
agravos de saúde entre as DNT. O
sobrepeso e a obesidade são considerados precursores e fatores agravantes de
doenças cardiovasculares, cuja prevalência tem crescido ao redor do mundo,
demandando esforços públicos para deter o seu crescimento e minimizar os seus
efeitos deletérios. Os transtornos mentais, por sua vez, representam quase um
terço das cargas da incapacitação resultante entre todas as DNT. O objetivo do
presente trabalho é estimar a frequência de transtornos mentais numa amostra de
indivíduos obesos que procuraram um hospital universitário com o intuito de se
submeter à cirurgia bariátrica para controlar ou reduzir o excesso do peso
corporal. Objetivo: Estimar, por
meio de entrevista padronizada, a frequência de transtornos mentais e fatores
correlacionados entre os pacientes obesos que procuram a cirurgia bariátrica. Métodos: Participaram do estudo 393
pacientes obesos grau III, candidatos à cirurgia bariátrica. Foram recrutados a
partir de um centro universitário de cirurgia bariátrica. Clínicos treinados
avaliaram os participantes por meio da Entrevista Clínica Estruturada para o
DSM-IV Axis I Diagnóstico (SCID-I/P) e as seguintes escalas de avaliação: HCL
(Manic Symptoms Checklist), MDQ (Mood Disorders Questionnarie), MADRS (Montgomery-Åsberg Depression Rating
Scale), M-A QoLII (Moorehead-Ardelt Quality of Life Questionnaire II). A amostra foi composta
por 79,1% de mulheres; média de idade 43 anos e média de IMC: 47,8 kg/m². Resultados: A frequência de alguns transtornos
mentais ao longo da vida foi 80,9% (81,7% homens e 80,7% mulheres). A taxa de frequência
de transtornos mentais no momento da entrevista foi 57,8% (57,6% homens e 58,5%
mulheres). Os transtornos afetivos foram os mais frequentes (64,9%), sendo os transtornos
bipolares e os transtornos depressivos os mais comuns (35,6% e 29,3%). Entre os
entrevistados que apresentaram quaisquer transtornos mentais ao longo da vida,
cerca de metade da amostra apresentou três ou mais transtornos simultâneos. Os
transtornos de ansiedade foram os diagnósticos mais frequentes (46,3%) entre os
participantes com transtorno atual. Idade e nível educacional foram associados
com a probabilidade de apresentar transtornos mentais no momento da entrevista.
As escalas apresentaram boa consistência interna: sendo o alfa de Cronbach da
HCL-32 de 0,9, MDQ 0,8, MADRS 0,9 e M-A QoLII 0,7. A HCL-32 e o MDQ
demonstraram uma boa capacidade discriminativa para classificar corretamente os
casos de transtorno bipolar. A HCL-32 apresentou área sob a curva (AUC) de 0,7
(IC 95% 0,7-0,8), quando comparado com os diagnósticos da SCID-I/P, com
sensibilidade de 0,7 e especificidade 0,7. O melhor ponto de corte foi 16/17
para detectar transtorno bipolar II. Em relação à estrutura fatorial do HCL-32,
a variabilidade dos dados foi melhor explicada por dois fatores relevantes:
elação do humor e irritação/ativação. O MDQ apresentou sensibilidade de 0,8 e
especificidade 0,6. O melhor ponto de corte foi 4/5 para detectar transtorno
bipolar I, com AUC de 0,8 (IC 95% 0,7-0,9). A MADRS de 5 itens apresentou
sensibilidade de 0,8 e especificidade 0,9. O melhor ponto de corte foi 10/11 para
detectar sintomas depressivos e AUC de 0,9. De acordo com o M-A QoL II, cerca
de 50% da amostra relatou estar satisfeita com sua qualidade de vida. Há uma
correlação significativa entre as escalas utilizadas que variaram de 0,6 a -0,6.
Conclusões: Os transtornos mentais
são condições frequentes entre os pacientes obesos antes da cirurgia
bariátrica. As altas taxas de transtornos mentais sugerem que ambas as condições
podem apresentar relações causais de mutualidade ou compartilham fatores
etiológicos comuns. Este estudo contribuiu para compreender a relação entre
transtornos mentais e obesidade mórbida. Recomenda-se conduzir avaliação sistemática
de pacientes obesos com instrumentos psicométricos padronizados no período
pré-cirúrgico para detectar transtornos psiquiátricos, que podem interferir na
recuperação e estabilização da qualidade de vida dos pacientes no período
pós-operatório. Futuros estudos de seguimento serão necessários para verificar
os possíveis fatores preditivos de prognóstico nesta população.
Descritores: Transtorno mental; obesidade; obesidade
mórbida; cirurgia bariátrica; transtornos da alimentação; entrevista psiquiátrica
padronizada; escalas de graduação psiquiátrica; qualidade de vida.