LEORIDES SEVERO DUARTE GUERRA

Leorides Severo Duarte Guerra - Psicóloga, Doutoranda e Mestre em Ciências Médicas pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP. Bolsista Fapesp-processo nº 2012/17498-9.
Especialista em Transtornos Alimentares (obesidade - anorexia - bulimia) e Cirurgia Bariátrica. Especialização em Psicologia da nutrição, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo-Unifesp e Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Associada a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica - SBCB - Especialidades Associadas - COESAS.






domingo, 22 de maio de 2011

O futuro do diagnóstico no século XXI: a proposta de revisão do DSM

O diagnóstico psiquiátrico passa por constantes evoluções. Cada vez mais as pequenas nuances dos sintomas tornam-se relevantes para definir o exato diagnóstico de um paciente. Assim, apresento este texto do Dr. Wang Yuang-Pang, onde ele introduz o futuro do diagnóstico psiquiátrico e todas as questões que permeiam este tema.

O futuro do diagnóstico psiquiátrico no século XXI: a proposta de revisão do DSM
Por Yuan-Pang Wang
A Associação Psiquiátrica Americana (APA) planeja lançar a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM-V) em 2013. Este livro representa a revisão da obra mais influente na área de psiquiatria contemporânea e já consumiu mais de uma década de estudos para produzir as recomendações de classificação dos transtornos mentais. O texto definitivo do DSM-V ainda não está pronto. Chefiados pelo professor David J. Kupfer, da Universidade de Pittsburg, e pelo doutor Darrel A. Regier, da APA, mais de 600 especialistas mundiais da saúde mental se reúnem desde 1999 para debater os caminhos do diagnóstico psiquiátrico no século XXI. Os cientistas envolvidos foram agrupados tematicamente para oferecer recomendações nas seguintes áreas: nomenclatura, a neurociência, o desenvolvimento, prejuízo e incapacitação, problemas transculturais e lacunas no sistema atual de diagnóstico. Os dois líderes enfrentaram críticas de várias áreas, bem como dilemas científicos e pressões políticas, para que os novos critérios diagnósticos contenham os novos avanços científicos na conceituação de transtornos mentais, mas que também atendam às necessidades dos pacientes. A quarta edição do DSM foi publicada originalmente em 1994 e revisada em 2000, repleta de ressalvas e críticas pelos especialistas e usuários de saúde mental. As 357 categorias do DSM-IV são definidas como um padrão de comportamento ou síndrome psicológica, clinicamente significativa (com sofrimento, incapacitação ou perda da liberdade individual), que não representa respostas esperadas ou culturalmente sancionadas (por exemplo, reação de luto), nem desvios e conflitos socialmente determinados (por exemplo, política, religião e sexualidade). A classificação do DSM-IV é baseada numa lista ideal de sintomas, sem que a sua causalidade seja presumida ou exigida. A abordagem de classificação é categorial, isto é, permite descrever a presença ou ausência de um transtorno mental. Dois indivíduos que se queixam de quatro dos nove sintomas definidores de “depressão maior” são diagnosticados e tratados como equivalentes, sem levar em conta a intensidade dos sintomas presentes. Segundo o professor Kupfer, a principal inovação do DSM-V é introduzir o conceito de “dimensão”. Este tipo de classificação considera a intensidade e gravidade dos sintomas, com indicadores de sofrimento subjetivos e o grau de prejuízo associado (por exemplo, o risco de suicídio). Além disso, as motivações para revisar o DSM-IV foram impulsionadas pelo rápido avanço do conhecimento científico, como os achados genéticos que revelaram similaridades entre transtorno bipolar e esquizofrenia e os estudos de imagem cerebral que diferenciaram os circuitos neurais das compulsões e as diversas formas de adicção. Em linhas gerais, recomenda-se que o novo sistema de diagnóstico tenha a sua validade reforçada por indicadores como a significância prognóstica, a disfunção psicobiológica e a resposta ao tratamento. Espera-se que os diagnósticos ganhem uma maior utilidade, através da conceituação precisa de uma condição mental transtornada, facilitando a sua avaliação e tratamento. Ponderando sobre o equilíbrio entre o potencial benefício e o abuso maléfico das mudanças, o DSM-V vai considerar as formas leves e fronteiriças de um quadro clínico, bem como a influência de fatores neurobiológicos. Entretanto, o professor Kupfer advoga que as mudanças sejam propostas somente quando há suficiente evidência científica para justificá-las. Os especialistas do DSM-V concordam que as mudanças no atual sistema de classificação devem se basear em dados empíricos. Para tanto, antes de propor mudanças significativas, os marcadores biológicos e contextuais precisam ser identificados a partir de investigações relevantes. Entre as principais mudanças em pauta, o DSM-V pretende reduzir o excesso de categorias de transtornos mentais do DSM-IV através da abordagem dimensional. Por exemplo, os doze transtornos de personalidade serão agrupados em cinco: limítrofe, esquizotípico, evitador, obsessivo-compulsivo e antissocial/psicopático. O “prejuízo cognitivo leve” representa uma forma neurocognitiva menor da demência de Alzheimer. Algumas novas propostas diagnósticas, entretanto, devem causar rebuliço na comunidade acadêmica, como é o diagnóstico de “síndrome de risco pré-psicótico” – aplicável aos jovens ainda sem sintomas típicos de psicose – e uma redefinição dos transtornos do espectro do autismo que eliminaria a síndrome de Asperger, considerada por muitos como uma forma leve de autismo. Em resposta aos excessos diagnósticos de transtorno bipolar em crianças, o rótulo de “transtorno disfórico de desregulação de temperamento” é introduzido para descrever formas graves de explosões de raiva, alternando com estados negativos de humor. Os transtornos de jogo patológico ganhariam o status de “adicção”, com a retirada da distinção entre dependência e abuso de substâncias (álcool e drogas). A adicção à “internet” ainda está em debate e os supostos casos de “dependência ao sexo” recebem o rótulo controverso de transtorno de “hipersexualidade”. Controvérsias e debates em torno das principais mudanças têm retardado a elaboração do seu texto definitivo. Contudo, o esboço dos novos critérios do DSM-V foi posto à prova em trabalhos de campo em 2010. A questão de fundo nos traz de volta ao objetivo fundamental de um sistema de classificação, que é auxiliar os médicos a ajudar os seus pacientes. É inegável que ainda há muito caminho pela frente, mas o campo da psiquiatria está em constante evolução e, portanto, as pesquisas e o tratamento dos transtornos mentais devem sofrer mudanças substanciais no século XXI.
Yuan-Pang Wang é doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e professor de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Leitura complementar:
Kupfer, D.J.; First, M.B.; Regier, M.D. (eds.) A research agenda for DSM-V. Washington, D.C.: American Psychiatric Association, 2002.
McHugh, P.R. “Striving for coherence. Psychiatry’s efforts over classification”. JAMA 2005; 293: 2526-8.
Helzer, J.D.; Kraemer, H.C.; Krueger, R.F.; Wittchen, H-U; Sirovatka, P.J.; Regier, D.A. (eds.) Dimensional approaches in diagnostic classification: refining the research agenda for DSM-V. Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2008.
Miller, G; Holden, C. “Psychiatry. Proposed revisions to psychiatry's canon unveiled”. Science 2010; 327(5967):770-1.
APA: DSM-5. DSM-5: the future of psychiatric diagnosis. Disponível em URL: http://www.dsm5.org/. Acesso em 28 de Fevereiro de 2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

TRANSTORNO BIPOLAR E SEU ESPECTRO

O transtorno bipolar do humor, anteriormente conhecido como psicose maníaca-depressiva, é uma doença psiquiátrica caracterizada por oscilações ou mudanças cíclicas de humor e comportamentos que variam em intensidade (leve, moderada ou grave) e duração (episódios curtos, longos ou crônicos). As mudanças de humor vão desde as oscilações normais, como nos estados de alegria e tristeza, até mudanças patológicas acentuadas e diferentes do normal, como episódios de mania, hipomania, depressão e estados mistos. É uma doença de grande impacto na vida do paciente, de sua família e da sociedade, causando prejuízos, frequentemente, irreparáveis na saúde, na reputação e nas finanças do indivíduo, além do sofrimento psicológico (Moreno e Andrade, 2008).
As primeiras descrições do TB são encontradas desde a Idade Antiga, como os quadros de melancolia (excesso de bíle negra) e mania (estar louco) observados por Hipócrates, no século IV antes de Cristo. Em 1854, os franceses Falret e Ballarger, descrevem separadamente a folie circulare (loucura circular) e a folie à double forme (loucura de forma dupla). Pela primeira vez, episódios alternantes de mania e depressão foram integrados e reconhecidos numa nosografia psiquiátrica (Dubovsky e Dubovsky, 2004). Kraepelin no final do século XIX diferenciou a esquizofrenia (demência precoce) da insanidade maníaco-depressiva (atualmente denominada transtorno bipolar), com base no curso com deterioração da primeira e no curso episódico da última. Embora muitas das observações de Kraepelin sobre os sintomas e o curso do transtorno do humor bipolar permaneçam válidas, muitas características clínicas dessa doença refletem um grupo complexo sintomático de distúrbios que compartilham aspectos, tais como alta taxa de recorrência, risco mais alto de psicose e alternâncias do estado de humor, mas que diferem em áreas importantes como a distinção das categorias unipolares e bipolares (Dubovsky e Dubovsky, 2004).
A classificação do TB ainda é cercada de controvérsias. Há duas linhas distintas neste sentido: aquela que usa critérios operacionais para este diagnóstico, os quais se baseiam tanto na frequência, presença ou ausência de episódios; e outra, dita dimensional, que valoriza os sintomas num contínuum, introduzindo a idéia do espectro do TB.
A dicotomia entre unipolar e bipolar restringe o conceito de transtornos bipolar em episódios, gerando os subgrupos tipo I, tipo II e III. Akiskal e Mallya (1987) defendem o conceito de espectro bipolar e sugere que pacientes com episódios de depressão, sem mania claramente observável podem apresentar TB. Através de observações clínicas, ele percebeu que pacientes depressivos apresentando histórias de desadaptação, mudanças de emprego sem evidências técnicas que justifiquem, mudanças de residências, histórias de uso ou abuso de drogas e álcool, poderiam apresentar um curso evolutivo semelhante aos bipolares. As flutuações de humor tais como hipomania ou estados mistos são frequentes.
Ghaemi (2008) criou um critério para classificar o espectro, pois as fronteiras desse contínuum sintomatologicamente são tênues, mas todos os dados apontam indubitavelmente para que pacientes com sintomas maníacos, que definiremos como “aceitáveis” do ponto de vista social, podem, se expostos a fatores desencadeantes, evoluir para um TB propriamente dito.
O TB passou também a ser estudado através da sua correlação com outros transtornos psiquiátricos. Jimerson e cols. (1990) estudaram a associação entre os transtornos do humor e transtornos alimentares através das alterações neuroquímicas e neuroendócrinas. Fontenelle e cols. (2002) sugerem que os transtornos alimentares são expressões fenotípicas de transtornos psiquiátricos em especial dos espectros dos transtornos do humor. Segundo ainda este autor, estudos clínicos e biológicos sugerem existir uma grande semelhança entre os transtornos alimentares e os transtornos do humor. Sarwer e Fabricatore (2008) realizaram um estudo mostrando a relação da dissociação da imagem corporal em pacientes submetidos a cirurgia bariátrica em relação a outros pacientes quando submetidos a procedimentos da cirurgia plástica. Norris e Gauer (2003) apontam o surgimento dos transtornos psiquiátricos na cirurgia bariátrica, com alta frequência do TB.
Um dos poucos estudos dedicados para investigar a associação entre o TB e a cirurgia bariátrica foi realizado por Alciati e cols., (2007), que investigou o TEB em pacientes com obesidade grau III candidatos à cirurgia bariátrica. Neste estudo o autor definiu o espectro bipolar através de uma classificação de variação de humor, onde os pacientes são divididos da seguinte forma:
1) Transtorno Bipolar I (episódios depressivos associados com síndrome mania);
2) Transtorno Bipolar II (episódios depressivos associados com: a) hipomania definida de acordo com os critérios de Zurique ou b) somente sintomas de hipomania ;
3) Transtorno bipolar menor (distimia, depressão menor ou depressões breves recorrentes associadas com hipomania ou somente sintomas hipomaníacos;
4) Mania pura: a) hipomania sem diagnóstico de depressão ou; b)somente sintomas hipomaníacos.
A hipomania foi definida de acordo com os critérios de Zurique (Angst e cols., 2003) como: euforia, irritabilidade ou hiperatividade; ter experimentado problemas ou recebido comentários de outros de que há algo errado na conduta; de pelo menos três dos sete sinais classificatórios dos sintomas do DSM-IV de hipomania. Os sintomas são: 1) auto estima inflada ou grandiosidade, 2) necessidade de sono diminuída, 3) mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar, 4) fuga de idéias ou experiências subjetivas de que os pensamentos estão correndo, 5) distraibilidade (atenção é desviada com demasiada facilidade para estímulos externos insignificantes ou irrelevantes), 6) aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação motora e 7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas (por exemplo, envolver-se em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos).
O autor conclui que TEB são muito comuns nos paciente obesos graves, em particular a hipomania, caracterizada pela hiperatividade, apesar de aparentemente ser contraditório em relação à falta de atividade físicas desses pacientes. Sugeriu também que a prevalência dos TEB em obeso grau III seja pesquisada futuramente para confirmar esta relação.
Imagens ilustrativas deste blog foram criadas pela artista plástica Priscila D. Guerra - UNICAMP

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