LEORIDES SEVERO DUARTE GUERRA

Leorides Severo Duarte Guerra - Psicóloga, Doutoranda e Mestre em Ciências Médicas pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP. Bolsista Fapesp-processo nº 2012/17498-9.
Especialista em Transtornos Alimentares (obesidade - anorexia - bulimia) e Cirurgia Bariátrica. Especialização em Psicologia da nutrição, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo-Unifesp e Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Associada a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica - SBCB - Especialidades Associadas - COESAS.






segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CIRURGIAS BARIÁTRICAS: TIPOS DE PROCEDIMENTOS



Reunimos aqui as técnicas mais utilizadas em cirurgias bariátricas. Veja qual a utilizada pelo seu médico e converse com ele tirando todas as suas dúvidas. Pois é muito importante que você saiba exatamente quais os procedimento que serão utilizadas.


As cirurgias bariátricas podem ser divididas em três tipos de procedimentos:



1. Procedimentos restritivos que diminuem a ingestão de alimentos


Banda Gástrica Laparoscópica Ajustável





Este é um procedimento cirúrgico restritivo puro, no qual uma banda é colocada em volta da parte superior do estômago. Essa banda divide o estômago em duas partes, uma pequena e outra maior.


A maioria dos pacientes se sente cheio mais

rapidamente, pois a banda restringe a entrada do alimento. A digestão de alimento ocorre através do processo digestivo normal.


Vantagens


  • restringe a quantidade de alimento que pode ser consumida em uma refeição;
  • o alimento consumido passa pelo restante do trato digestivo da forma usual, permitindo ser totalmente absorvido pelo organismo;
  • a perda do excesso de peso varia de 28 a 87%;
  • a banda pode ser ajustada para aumentar ou reduzir a restrição;
  • a cirurgia pode ser revertida ;


Riscos

  • a perfuração gástrica ou desgaste na parede do estômago
  • pode exigir uma operação adicional para a retirada da banda;
  • o vazamento ou torção do portal de acesso pode exigir uma operação adicional;
  • náusea e vômito;
  • obstrução da saída;
  • dilatação da bolsa;
  • migração/deslizamento da banda;
  • perda de peso insuficiente.



Gastrectomia vertical (Gastric Sleeve
)











A gastrectomia vertical (ou gastroplastia vertical, ou gastrectomia em manga, ou "Gastric Sleeve") foi inicialmente descrita como parte da operação de derivação biliopancreática. O conceito de gastrectomia vertical evoluiu das cirurgias de gastroplastia vertical com banda (Cirurgia de Mason) e da operação de Magenstrasse e Mill, que realizam tunelização parcial da pequena curvatura gástrica com a finalida de de restringir a capacidade de ingestão alimentar. Mais recentemente, a gastrectomia vertical foi indicada como cirurgia de intervalo da derivação bilio pancreática em pacientes super-obesos ou de alto risco. Os resu ltados imediatos observados com esta indicação levaram a que se propusesse seu uso isolado para o tratamento da obesidade como procedimento restritivo único.

Tem-se, desta forma, a gastrectomia vertical com diferentes indicações neste momento: parte integrante da derivação biliopancreática; cirurgia de intervalo em pacientes super-obesos(IMC > 50) pacientes obesos mórbidos idosos ou de alto risco; condições intra operatórias adversas: má exposição, excessiva gordura visceral, fígado grande, aderências intensas ou instabilidade clínica; cirurgia revisional após insucesso de banda gástrica ajustável; outras indicações: pacientes com doença intestinal inflamatória, doença celíaca, anemia intensa ou cirrose hepática. Além destas indicações, a gastrectomia vertical pode se mostrar uma alternativa viável como tratamento isolado da obesidade mórbida. Algumas publicações recentes mostram ser este procedimento relativamente seguro em termos de morbimortalidade, com adequada diminuição do IMC e perda de excesso de peso, e impacto positivo na resolusão das comorbidades relacionadas à obesidade.



Vantagens



· A gastrectomia vertical, sendo procedimento restritivo, não se acompanha de efeitos colaterais significativos quanto a deficiências nutricionais ou de vitaminas;

· Seu insucesso como procedimento isolado permite que seja feita complementação tanto para gastroplastia jejunal em Y de Roux como para a derivação biliopancreática.


Riscos

· Vários aspectos merecem discussão mais aprofundada para a aceitação da gastrectomia vertical como procedimento de uso rotineiro no tratamento cirúrgico da obesidade; os estudos publicados ainda referem-se a resultados de curto e médio prazo; observa-se tendência a reganho de peso no seguimento mais tardio; aspectos técnicos referentes à distância do piloro em que se inicia a gastrectomia, necessidade de calibragem e seu diâmetro, tipo de grampeador, reforço da linha de sutura, ainda precisam melhor esclarecimento visando a segurança e resultado do procedimento

.



2. Procedimentos disabsortivos, que causam uma absorção incompleta do alimento




Embora essas operações também reduzam o tamanho do estômago, a bolsa do estômago criada é muito maior que a dos outros procedimentos. O objetivo é restringir a quantidade de alimento consumido e alterar o processo digestivo (diminuir a absorção) normal, mas para um grau muito maior. A anatomia do intestino delgado é alterada, para desviar os sucos biliares e pancreáticos, para que encontrem o alimento ingerido mais próximos ao meio ou final do intestino delgado. Com isso a absorção de nutrientes e calorias também é reduzida, mas para um grau muito maior do que com os procedimentos ditos como mistos.



Desvio Bilio Pancreático Cirurgia de (Cirurgia de Scopinaro )














    Esta cirurgia remove aproximadamente 3/4 do estômago para causar a restrição da ingestão de alimento e redução da saída de ácido. Deixar estômago superior suficiente é importante para manter uma nutrição apropriada. O intestino delgado é então dividido, tendo uma extremidade ligada à bolsa do estômago, para criar o que é chamado de "tubo alimentar". Todo o alimento passa por esse segmento, no entanto, não muito é absorvido. Os sucos biliares e pancreáticos passam pela "alça biliopancreática", que é ligada à parte lateral do intestino próximo à extremidade. Isso fornece os sucos digestivos na seção do intestino, que agora é chamada de "alça comum". O cirurgião pode variar o comprimento da alça comum, para regular a quantidade de absorção de proteína, gordura e vitaminas solúveis em gordura.



    Desvio Biliopancreático com Derivação Duodenal"Duodenal Switch"














    Esse procedimento é uma variação do BPD, em que a remoção do estômago é restrita à margem externa, deixando uma alça de estômago com o piloro e o início do duodeno em sua extremidade. O duo pode não fornecer a sensação de satisfação necessária de ter comido o suficiente; deno, a primeira parte do intestino delgado, é dividida para que a drenagem pancreática e biliar seja desviada. A extremidade próxima ao "tubo alimentar" é então ligada ao início do duodeno, enquanto a "alça comum" é criada da mesma maneira, conforme descrito acima.



    Vantagens



    · Essas operações geralmente permitem que o paciente consiga fazer refeições maiores que as do procedimento restritivo puro ou gastroplastia padrão com derivação em "Y de Roux";


    · Esses procedimentos podem causar uma perda maior de peso excessivo, pois fornecem os mais altos níveis de malabsorção;


    · A perda de peso excessivo pode ocorrer de 74% em um ano até 91% em cinco anos;


    · A manutenção a longo prazo da perda do peso corporal excessivo pode ser bem-sucedida, se o paciente adaptar-se e aderir a uma dieta honesta, com suprimentos, exercícios e regime comportamental.



    Riscos


    · Para todos os procedimentos de malabsorção há um período de adaptação intestinal, quando os movimentos do intestino podem ser muito líquidos e freqüentes. Essa condição pode diminuir no decorrer do tempo, mas pode ser uma ocorrência permanente e vitalícia;


    · Inchaço abdominal e evacuação fétida ou gases podem ocorrer;


    · Monitoramento rigoroso e vitalício quanto à má nutrição de proteína, anemia e doença óssea é recomendado. Da mesma maneira, é necessário um complemento vitamínico vitalício. Em geral, observou-se que se as instruções de alimentação e complemento vitamínico não forem rigorosamente seguidas, no mínimo, 25% dos pacientes desenvolverão problemas que precisarão de tratamento;


    · As mudanças na estrutura intestinal podem resultar no aumento do risco de formação de cálculo biliar e necessidade de remoção da vesícula biliar;


    · O redirecionamento dos sucos biliares e pancreáticos, bem como de outros sucos digestivos, para fora do estômago pode causar irritação intestinal e úlceras;


    · Como o duodeno é desviado, a má absorção de ferro e cálcio pode resultar na redução do total de ferro do organismo e uma predisposição para anemia por deficiência de ferro. Essa é a principal preocupação para os pacientes que apresentam perda de sangue crônica, durante fluxo menstrual excessivo ou hemorragia de hemorróidas. Mulheres já em risco de osteoporose, que pode ocorrer após a menopausa, devem estar conscientes do potencial para perda intensificada de cálcio no osso;


    · O desvio do duodeno causou uma doença ósseo-metabólica em alguns pacientes, resultando em dor nos ossos, perda de altura, corcunda e fraturas nos ossos das costelas e quadris. Todas as deficiências mencionadas acima, no entanto, podem ser tratadas através de dieta apropriada e complementos vitamínicos;


    · Pode ocorrer anemia crônica, devido à deficiência de Vitamina B12. O problema geralmente pode ser tratado com pílulas ou injeções de B12;


    3. Procedimentos mistos.


    Gastroplastia com Derivação em Y de Roux (Cirugia de Fobi Capella)














    A gastroplastia com derivação em Y de Roux é o procedimento padrão ouro atual para cirurgia bariátrica pela SBCBM ( Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica ). É um dos procedimentos para perda de peso mais realizado no Brasil. Nesse procedimento, o grampeamento cria uma pequena (15 a 20 cc) bolsa do estômago. O restante do estômago não é removido, mas totalmente grampeado e separado da bolsa do estômago. A saída dessa bolsa formada passa direto
    para a parte inferior do jejuno, desviando assim a absorção de alimentos. Esse desvio é feito dividindo o intestino delgado pouco depois do duodeno, a fim de levá-lo até o estômago e construir uma ligação
    ( anastomose – ligação ) com a bolsa do estômago formada. A outra extremidade é ligada à
    lateral da alça em Y de Roux do intestino, criando a forma de "Y" que dá seu nome à técnica. O comprimento de um dos segmentos do intestino pode ser aumentado, para produzir níveis mais baixos ou mais altos de malabsorção.


    Vantagens

    • A média para perda de peso excessivo, após o p
      rocedimento de Gastroplastia e derivação em "Y de Roux", geralmente é maior em um paciente complacente que após o procedimento restritivo puro
    • Um ano após a cirurgia, a perda de peso pode chegar a 77-100% do peso corporal excessivo;
    • Estudos demonstram que, após 10 a 14 anos, 50-60% da perda de peso corporal excessivo foi mantida por alguns pacientes;
    • Demonstrou-se que 70-90% de determinadas condições de saúde associadas (dor nas costas, apnéia do sono, pressão sangu
      ínea alta, diabetes e depressão) foram melhoradas ou solucionadas;
    • Teoricamente pode ser revertida.

    Riscos


    • Como o alimento é desviado do duodeno, todas as considerações de risco discutidas na técnica anterior com derivação sobre a malabsorção de alguns minerais e vitaminas também se aplicam a essa técnica, apenas para um grau menor;
    • Uma condição conhecida como, "síndrome do esvaziamento rápido", pode ocorrer como resultado do rápido esvaziamento
        do conteúdo do estômago para o intestino delgado. Às vezes, isso é desencadeado quando muito açúcar ou gr
      ande quantidade de alimento é ingerido. Embora não seja considerado como um sério risco para sua saúde, os resultados podem ser muito desagradáveis e incluir náusea, fraqueza, transpiração, fragilidade e ocasionalmente diarréia, após as refeições. Alguns pacientes não conseguem comer qualquer forma de doces, após a cirurgia;
    • A parte desviada do estômago, duodeno e segmentos do intestino delgado não pode ser facilmente visualizada, usando um raio-x ou endoscopia, caso ocorram problemas como úlceras, hemorragias ou malignidade.


    4. Técnicas alternativas


    Balão Intragástrico
















    O balão intragástrico consiste na colocação de prótese, por via endoscópica, no interior do estômago diminuindo a capacidade de ingestão do paciente. É uma técnica transitória, após 4 a 6 meses o balão necessita ser removido (também por endoscopia). Pode ser utilizado em pacientes que não tem Indice de Massa Corporal (IMC) para serem submetidos à cirurgia e que necessitem perder peso. Entretanto, sua indicação mais importante está nos doentes com indicação de cirurgia que apresentam situação clínica desfavorável, coloca-se o balão e com o emagrecimento obtido o doente é operado posteriormente com menores riscos.


    Diferença entre as cirurgias convencional e laparoscópica



    Convencional



    Laparoscópica

    Um pouco mais de dor na ferida operatória

    Menor dor no pós-operatório;

    Incisão maior que a laparoscópica

    Melhor resultado cosmético, com cicatrizes menores;

    Ambas podem ser preciso deixas de drenos

    Retorno mais rápido às atividades rotineiras;

    Menor custo

    Maior Custo

    Uma incisão

    Cinco ou seis pequenas incisões

    Maior índice de hérnia na incisão

    Menor índice de infecção de ferida cirúrgica


    (textos e imagens extraídos de sites referentes a cirurgia bariátrica)

    domingo, 22 de maio de 2011

    O futuro do diagnóstico no século XXI: a proposta de revisão do DSM

    O diagnóstico psiquiátrico passa por constantes evoluções. Cada vez mais as pequenas nuances dos sintomas tornam-se relevantes para definir o exato diagnóstico de um paciente. Assim, apresento este texto do Dr. Wang Yuang-Pang, onde ele introduz o futuro do diagnóstico psiquiátrico e todas as questões que permeiam este tema.

    O futuro do diagnóstico psiquiátrico no século XXI: a proposta de revisão do DSM
    Por Yuan-Pang Wang
    A Associação Psiquiátrica Americana (APA) planeja lançar a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM-V) em 2013. Este livro representa a revisão da obra mais influente na área de psiquiatria contemporânea e já consumiu mais de uma década de estudos para produzir as recomendações de classificação dos transtornos mentais. O texto definitivo do DSM-V ainda não está pronto. Chefiados pelo professor David J. Kupfer, da Universidade de Pittsburg, e pelo doutor Darrel A. Regier, da APA, mais de 600 especialistas mundiais da saúde mental se reúnem desde 1999 para debater os caminhos do diagnóstico psiquiátrico no século XXI. Os cientistas envolvidos foram agrupados tematicamente para oferecer recomendações nas seguintes áreas: nomenclatura, a neurociência, o desenvolvimento, prejuízo e incapacitação, problemas transculturais e lacunas no sistema atual de diagnóstico. Os dois líderes enfrentaram críticas de várias áreas, bem como dilemas científicos e pressões políticas, para que os novos critérios diagnósticos contenham os novos avanços científicos na conceituação de transtornos mentais, mas que também atendam às necessidades dos pacientes. A quarta edição do DSM foi publicada originalmente em 1994 e revisada em 2000, repleta de ressalvas e críticas pelos especialistas e usuários de saúde mental. As 357 categorias do DSM-IV são definidas como um padrão de comportamento ou síndrome psicológica, clinicamente significativa (com sofrimento, incapacitação ou perda da liberdade individual), que não representa respostas esperadas ou culturalmente sancionadas (por exemplo, reação de luto), nem desvios e conflitos socialmente determinados (por exemplo, política, religião e sexualidade). A classificação do DSM-IV é baseada numa lista ideal de sintomas, sem que a sua causalidade seja presumida ou exigida. A abordagem de classificação é categorial, isto é, permite descrever a presença ou ausência de um transtorno mental. Dois indivíduos que se queixam de quatro dos nove sintomas definidores de “depressão maior” são diagnosticados e tratados como equivalentes, sem levar em conta a intensidade dos sintomas presentes. Segundo o professor Kupfer, a principal inovação do DSM-V é introduzir o conceito de “dimensão”. Este tipo de classificação considera a intensidade e gravidade dos sintomas, com indicadores de sofrimento subjetivos e o grau de prejuízo associado (por exemplo, o risco de suicídio). Além disso, as motivações para revisar o DSM-IV foram impulsionadas pelo rápido avanço do conhecimento científico, como os achados genéticos que revelaram similaridades entre transtorno bipolar e esquizofrenia e os estudos de imagem cerebral que diferenciaram os circuitos neurais das compulsões e as diversas formas de adicção. Em linhas gerais, recomenda-se que o novo sistema de diagnóstico tenha a sua validade reforçada por indicadores como a significância prognóstica, a disfunção psicobiológica e a resposta ao tratamento. Espera-se que os diagnósticos ganhem uma maior utilidade, através da conceituação precisa de uma condição mental transtornada, facilitando a sua avaliação e tratamento. Ponderando sobre o equilíbrio entre o potencial benefício e o abuso maléfico das mudanças, o DSM-V vai considerar as formas leves e fronteiriças de um quadro clínico, bem como a influência de fatores neurobiológicos. Entretanto, o professor Kupfer advoga que as mudanças sejam propostas somente quando há suficiente evidência científica para justificá-las. Os especialistas do DSM-V concordam que as mudanças no atual sistema de classificação devem se basear em dados empíricos. Para tanto, antes de propor mudanças significativas, os marcadores biológicos e contextuais precisam ser identificados a partir de investigações relevantes. Entre as principais mudanças em pauta, o DSM-V pretende reduzir o excesso de categorias de transtornos mentais do DSM-IV através da abordagem dimensional. Por exemplo, os doze transtornos de personalidade serão agrupados em cinco: limítrofe, esquizotípico, evitador, obsessivo-compulsivo e antissocial/psicopático. O “prejuízo cognitivo leve” representa uma forma neurocognitiva menor da demência de Alzheimer. Algumas novas propostas diagnósticas, entretanto, devem causar rebuliço na comunidade acadêmica, como é o diagnóstico de “síndrome de risco pré-psicótico” – aplicável aos jovens ainda sem sintomas típicos de psicose – e uma redefinição dos transtornos do espectro do autismo que eliminaria a síndrome de Asperger, considerada por muitos como uma forma leve de autismo. Em resposta aos excessos diagnósticos de transtorno bipolar em crianças, o rótulo de “transtorno disfórico de desregulação de temperamento” é introduzido para descrever formas graves de explosões de raiva, alternando com estados negativos de humor. Os transtornos de jogo patológico ganhariam o status de “adicção”, com a retirada da distinção entre dependência e abuso de substâncias (álcool e drogas). A adicção à “internet” ainda está em debate e os supostos casos de “dependência ao sexo” recebem o rótulo controverso de transtorno de “hipersexualidade”. Controvérsias e debates em torno das principais mudanças têm retardado a elaboração do seu texto definitivo. Contudo, o esboço dos novos critérios do DSM-V foi posto à prova em trabalhos de campo em 2010. A questão de fundo nos traz de volta ao objetivo fundamental de um sistema de classificação, que é auxiliar os médicos a ajudar os seus pacientes. É inegável que ainda há muito caminho pela frente, mas o campo da psiquiatria está em constante evolução e, portanto, as pesquisas e o tratamento dos transtornos mentais devem sofrer mudanças substanciais no século XXI.
    Yuan-Pang Wang é doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e professor de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    Leitura complementar:
    Kupfer, D.J.; First, M.B.; Regier, M.D. (eds.) A research agenda for DSM-V. Washington, D.C.: American Psychiatric Association, 2002.
    McHugh, P.R. “Striving for coherence. Psychiatry’s efforts over classification”. JAMA 2005; 293: 2526-8.
    Helzer, J.D.; Kraemer, H.C.; Krueger, R.F.; Wittchen, H-U; Sirovatka, P.J.; Regier, D.A. (eds.) Dimensional approaches in diagnostic classification: refining the research agenda for DSM-V. Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2008.
    Miller, G; Holden, C. “Psychiatry. Proposed revisions to psychiatry's canon unveiled”. Science 2010; 327(5967):770-1.
    APA: DSM-5. DSM-5: the future of psychiatric diagnosis. Disponível em URL: http://www.dsm5.org/. Acesso em 28 de Fevereiro de 2011.

    quinta-feira, 5 de maio de 2011

    TRANSTORNO BIPOLAR E SEU ESPECTRO

    O transtorno bipolar do humor, anteriormente conhecido como psicose maníaca-depressiva, é uma doença psiquiátrica caracterizada por oscilações ou mudanças cíclicas de humor e comportamentos que variam em intensidade (leve, moderada ou grave) e duração (episódios curtos, longos ou crônicos). As mudanças de humor vão desde as oscilações normais, como nos estados de alegria e tristeza, até mudanças patológicas acentuadas e diferentes do normal, como episódios de mania, hipomania, depressão e estados mistos. É uma doença de grande impacto na vida do paciente, de sua família e da sociedade, causando prejuízos, frequentemente, irreparáveis na saúde, na reputação e nas finanças do indivíduo, além do sofrimento psicológico (Moreno e Andrade, 2008).
    As primeiras descrições do TB são encontradas desde a Idade Antiga, como os quadros de melancolia (excesso de bíle negra) e mania (estar louco) observados por Hipócrates, no século IV antes de Cristo. Em 1854, os franceses Falret e Ballarger, descrevem separadamente a folie circulare (loucura circular) e a folie à double forme (loucura de forma dupla). Pela primeira vez, episódios alternantes de mania e depressão foram integrados e reconhecidos numa nosografia psiquiátrica (Dubovsky e Dubovsky, 2004). Kraepelin no final do século XIX diferenciou a esquizofrenia (demência precoce) da insanidade maníaco-depressiva (atualmente denominada transtorno bipolar), com base no curso com deterioração da primeira e no curso episódico da última. Embora muitas das observações de Kraepelin sobre os sintomas e o curso do transtorno do humor bipolar permaneçam válidas, muitas características clínicas dessa doença refletem um grupo complexo sintomático de distúrbios que compartilham aspectos, tais como alta taxa de recorrência, risco mais alto de psicose e alternâncias do estado de humor, mas que diferem em áreas importantes como a distinção das categorias unipolares e bipolares (Dubovsky e Dubovsky, 2004).
    A classificação do TB ainda é cercada de controvérsias. Há duas linhas distintas neste sentido: aquela que usa critérios operacionais para este diagnóstico, os quais se baseiam tanto na frequência, presença ou ausência de episódios; e outra, dita dimensional, que valoriza os sintomas num contínuum, introduzindo a idéia do espectro do TB.
    A dicotomia entre unipolar e bipolar restringe o conceito de transtornos bipolar em episódios, gerando os subgrupos tipo I, tipo II e III. Akiskal e Mallya (1987) defendem o conceito de espectro bipolar e sugere que pacientes com episódios de depressão, sem mania claramente observável podem apresentar TB. Através de observações clínicas, ele percebeu que pacientes depressivos apresentando histórias de desadaptação, mudanças de emprego sem evidências técnicas que justifiquem, mudanças de residências, histórias de uso ou abuso de drogas e álcool, poderiam apresentar um curso evolutivo semelhante aos bipolares. As flutuações de humor tais como hipomania ou estados mistos são frequentes.
    Ghaemi (2008) criou um critério para classificar o espectro, pois as fronteiras desse contínuum sintomatologicamente são tênues, mas todos os dados apontam indubitavelmente para que pacientes com sintomas maníacos, que definiremos como “aceitáveis” do ponto de vista social, podem, se expostos a fatores desencadeantes, evoluir para um TB propriamente dito.
    O TB passou também a ser estudado através da sua correlação com outros transtornos psiquiátricos. Jimerson e cols. (1990) estudaram a associação entre os transtornos do humor e transtornos alimentares através das alterações neuroquímicas e neuroendócrinas. Fontenelle e cols. (2002) sugerem que os transtornos alimentares são expressões fenotípicas de transtornos psiquiátricos em especial dos espectros dos transtornos do humor. Segundo ainda este autor, estudos clínicos e biológicos sugerem existir uma grande semelhança entre os transtornos alimentares e os transtornos do humor. Sarwer e Fabricatore (2008) realizaram um estudo mostrando a relação da dissociação da imagem corporal em pacientes submetidos a cirurgia bariátrica em relação a outros pacientes quando submetidos a procedimentos da cirurgia plástica. Norris e Gauer (2003) apontam o surgimento dos transtornos psiquiátricos na cirurgia bariátrica, com alta frequência do TB.
    Um dos poucos estudos dedicados para investigar a associação entre o TB e a cirurgia bariátrica foi realizado por Alciati e cols., (2007), que investigou o TEB em pacientes com obesidade grau III candidatos à cirurgia bariátrica. Neste estudo o autor definiu o espectro bipolar através de uma classificação de variação de humor, onde os pacientes são divididos da seguinte forma:
    1) Transtorno Bipolar I (episódios depressivos associados com síndrome mania);
    2) Transtorno Bipolar II (episódios depressivos associados com: a) hipomania definida de acordo com os critérios de Zurique ou b) somente sintomas de hipomania ;
    3) Transtorno bipolar menor (distimia, depressão menor ou depressões breves recorrentes associadas com hipomania ou somente sintomas hipomaníacos;
    4) Mania pura: a) hipomania sem diagnóstico de depressão ou; b)somente sintomas hipomaníacos.
    A hipomania foi definida de acordo com os critérios de Zurique (Angst e cols., 2003) como: euforia, irritabilidade ou hiperatividade; ter experimentado problemas ou recebido comentários de outros de que há algo errado na conduta; de pelo menos três dos sete sinais classificatórios dos sintomas do DSM-IV de hipomania. Os sintomas são: 1) auto estima inflada ou grandiosidade, 2) necessidade de sono diminuída, 3) mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar, 4) fuga de idéias ou experiências subjetivas de que os pensamentos estão correndo, 5) distraibilidade (atenção é desviada com demasiada facilidade para estímulos externos insignificantes ou irrelevantes), 6) aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação motora e 7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas (por exemplo, envolver-se em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos).
    O autor conclui que TEB são muito comuns nos paciente obesos graves, em particular a hipomania, caracterizada pela hiperatividade, apesar de aparentemente ser contraditório em relação à falta de atividade físicas desses pacientes. Sugeriu também que a prevalência dos TEB em obeso grau III seja pesquisada futuramente para confirmar esta relação.
    Imagens ilustrativas deste blog foram criadas pela artista plástica Priscila D. Guerra - UNICAMP

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